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Premier League se destaca com campanhas de combate à LGBTfobia no futebol

Ações do "Rainbow Laces" foram vistas em braçadeiras, bandeiras de escanteio e nas arquibancadas; torcidas formadas por LGBTs recebem apoio de clubes.

Mosaico nas cores do arco-íris da torcida do Watford. (Foto: Reuters)
Mosaico nas cores do arco-íris da torcida do Watford. (Foto: Reuters)
Por Jamille Bullé 

A Premier League, junto com seus 20 clubes, realizou na última semana a campanha “Rainbow Laces” em apoio à população LGBT dentro e fora do futebol. A mobilização foi uma parceira com a instituição de caridade Stonewall. Ao longo das últimas duas rodadas, as cores do arco-íris foram vistas em braçadeiras de capitão, cadarços das chuteiras, bandeiras de escanteio e até mesmo nas arquibancadas durante partidas do Campeonato Inglês.

"Este é um jogo de todos", diz placa de publicidade durante a campanha Rainbow Laces. (Foto: Reuters)
“Este é um jogo de todos”, diz placa de publicidade durante a campanha Rainbow Laces. (Foto: Reuters)

Diretora de Esporte do Stonewall, Kirsty Clarke afirmou que a campanha visa tornar o esporte um ambiente mais acolhedor e inclusivo para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e elogiou a atuação da Premier League para criar essa atmosfera de tolerância no futebol.

– Esperamos que o Rainbow Laces ofereça às pessoas confiança para serem aliadas ativas e mostrarem apoio aberto às pessoas LGBT, seja dentro ou fora do campo. Queremos que mais jogadores, torcedores, clubes e organizações compreendam como podem participar na mudança de atitudes e na defesa da igualdade LGBT. Nosso trabalho não será concluído até que todas as pessoas sejam aceitas, sem exceção – disse Clarke ao site globo esporte.

Apoio das arquibancadas

Na partida entre Watford e Manchester City, na última terça, torcedores da equipe mandante criaram um mosaico nas cores do arco-íris especialmente para a campanha. A iniciativa foi uma parceria entre a torcida LGBT Proud Hornets e a organizada The 1991 Movement.

Um dos organizadores do grupo LGBT Pride Hornets, Peter W* explicou que os grupos se uniram para elaborar um mosaico que conseguisse cobrir toda a arquibancada. Apesar do medo de a imagem não aparecer corretamente, ele comemora a execução do plano.

– Uma equipe de seis a oito pessoas passou as últimas semanas fazendo as placas de papel fino para o jogo. Passamos a noite de segunda colocando as peças em cima das cadeiras. Acabou sendo melhor do que imaginávamos. Recemos mensagens do mundo inteiro – disse Peter.

Braçadeira nas cores do arco íris. (Foto: Catherine Ivill/Getty Images)
Braçadeira nas cores do arco íris. (Foto: Catherine Ivill/Getty Images)

Por que é importante combater a LGBTfobia (no futebol)?

De acordo com a pesquisa “Out on the fields”, publicada em 2016, 85% do público do Reino Unido acreditam que uma pessoa abertamente LGBT não estaria muito segura como espectadora de um evento esportivo. Além disso 77% afirmaram que já testemunharam um episódio de LGBTfobia no esporte.

– Campanhas como essa, infelizmente, ainda são necessárias pelo fato de o futebol ser um lugar ainda cheio de homofobia. É só olhar na seção de comentários (de sites) para saber o tipo de ódio que precisamos enfrentar. Descobrimos que a maioria dos torcedores não tem esse tipo de opiniões e concorda que não há espaço para esse tipo de ideia no futebol – disse Peter W.

Campanha Rainbow Laces pretende aumentar conscientização sobre tolerância também no futebol. (Foto: Getty Images)
Campanha Rainbow Laces pretende aumentar conscientização sobre tolerância também no futebol. (Foto: Getty Images)

Especialista em Antropologia do Esporte e doutor em Educação, Gustavo Andrada Bandeira explica que o preconceito exacerbado no contexto do futebol é reflexo da naturalização da violência no âmbito esportivo e da ideia de que o estádio é um lugar somente para homens heterossexuais, sendo negada qualquer outra identidade, seja de mulheres ou da comunidade LGBTQI+.

Cores do arco-íris no telão do estádio do Leicester. (Foto: Darren Staples/Reuters)
Cores do arco-íris no telão do estádio do Leicester. (Foto: Darren Staples/Reuters)

– Como o futebol aparece em um contexto de conflito, de disputa, a gente naturaliza a violência – e (a LGBTfobia) é um tipo de violência. O segundo ponto é o entendimento de o estádio ser uma reserva masculina heterossexual. Nessa ideia, a violência contra os “outros” que não existem não seria violência. Mas isso não é verdadeiro, não são somente homens heterossexuais que vão ao estádio. O leque é muito grande. Mas a ideia dominante é sempre a mesma – disse Gustavo.

“A identidade homossexual é negada, precisam ‘se comportar como hétero’, ficar dentro do armário. Alguns homossexuais não vão ao estádio porque não são bem recebidos, outros vão escondidos.”

Apoio dos clubes ingleses

As torcidas LGBTQI+ já são uma realidade na Inglaterra. Já são mais de 40 grupos organizados no futebol inglês. Além disso, muitos clubes já oficializaram esses coletivos, possibilitando manifestações dentro dos próprios estádios.

– O Watford é muito receptivo e inclusivo, sempre nos apoiou, desde o início do grupo. Eles nos ajudaram a participar do parada do orgulho LGBT de Londres e nos ajudaram com divulgação no telão em dias de jogos – disse Peter.

Grupo LGBT dp Watford conta com divulgação dentro do Vicarage Road. (Foto: Catherine Ivill/Getty Images)
Grupo LGBT dp Watford conta com divulgação dentro do Vicarage Road. (Foto: Catherine Ivill/Getty Images)

Durante a campanha do Rainbow Laces, além de participarem das ações dentro de campo, equipes se manifestaram nas redes sociais pela defesa dos direitos LGBT.

Alguns clubes contam com ações que vão além. O Liverpool e o Arsenal, por exemplo, divulgam a participação de representantes nas paradas LGBT da cidade do norte da Inglaterra e em Londres, respectivamente.

Os Reds também promoveram, em julho deste ano, através da LFC Foundation, a organização de um torneio de futebol LGBTQI+, para “aumentar a conscientização sobre as questões e promover a saúde e o bem-estar da comunidade”.

E o Brasil?

A intolerância no país aparece traduzida em dados alarmantes. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, 445 LGBTs morreram por conta da LGBTfobia em 2017 – um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Ou seja, a cada 19 horas, uma lésbica, gay, bissexual, travestis ou transexual morre devido à LGBTfobia.

Segundo relatório da Anistia Internacional, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQI+ no Mundo.

Liverpool demonstra engajamento com a questão da diversidade. (Foto: Divulgação/Liverpool FC)
Liverpool demonstra engajamento com a questão da diversidade. (Foto: Divulgação/Liverpool FC)

Um dos coordenadores da Palmeiras Livre, um coletivo de torcedores progressistas que defendem pautas LGBT, raciais e de gênero, William De Lucca conta que o grupo nunca fez manifestações presenciais por questões de segurança.

– A gente é ameaçado, ofendido e xingado todos os dias nas redes sociais. Eu, particularmente, já sofri inúmeras ameaças de morte, tem gente que descobriu meu telefone, que diz que descobriu meu endereço. Isso aconteceu depois que critiquei o canto homofóbico do time nas partidas – disse William em entrevista ao site Globo Esporte.

Integrante da torcida Galo Queer, Luiza Aguiar conta que o grupo também começou através das redes sociais – e permaneceu por lá devido à reação agressiva de alguns torcedores.

– Como houve uma reação muito de ameaças, muita gente repudiando – ainda que tivesse apoio -, o pessoal que iniciou o movimento não quis se expor. É uma galera que frequenta, mas não leva faixas que identifique como Galo Queer – disse.

Premier League fez grande ação contra intolerância LGBT. (Foto: Laurence Griffiths/Getty Images)
Premier League fez grande ação contra intolerância LGBT. (Foto: Laurence Griffiths/Getty Images)

Ao contrário do que acontece na Inglaterra, o grupo Palmeiras Livre nunca recebeu apoio do clube ou de federações. Para William, há uma falta de interesse das instituições por não tratarem a pauta como prioridade.

– Queria poder ir ao estádio de mãos dadas com meu namorado, estar com ele e agir da mesma maneira que os héteros nos momentos importantes. Somos apaixonados por futebol e queremos ver nosso time como qualquer outra pessoa – disse William.

Chuteiras de jogadores da Premier League receberam cadarços nas cores do arco-íris. (Foto: David Klein/Reuters)
Chuteiras de jogadores da Premier League receberam cadarços nas cores do arco-íris. (Foto: David Klein/Reuters)

Gustavo Bandeira acredita que o futebol sofreu menos influência de direitos humanos do que outras áreas no país, além de enxergar uma retomada do discurso conservador como hegemonia.

– Como a gente exacerba muito a rivalidade, os dirigentes tem certo receio de fazer campanha inclusiva por medo de chacota e para não dar armas para o adversário. Por outro lado, vemos torcidas antifascistas por todo o país, mas que também foram alvo de ameaças, alguns tiveram que se esconder por meses. Não é mimimi, como dizem por aí – finalizou.

* O entrevistado preferiu omitir o sobrenome por conta de mensagens de discurso de ódio recebidas na internet.

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