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No DF, peça retrata Jesus como mulher trans e lota teatro no Cena Contemporânea

Letícia Carvalho
No DF, peça retrata Jesus como mulher trans e lota teatro no Cena Contemporânea
Foto: Divulgação/Ligia JardimA atriz Renata Carvalho, em o ‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Ceu’.

No palco, um cenário simples: uma mesa, flores vermelhas, uma jarra com água, velas ainda não acesas e até mesmo uma lata do refrigerante “Guaraná Jesus”. Vinho? Somente no final, em pequenos cálices, para os espectadores que se deliciaram e aplaudiram longamente – e de pé. Sobre o tablado, uma atriz que lotou o Teatro da Caixa Cultural, em Brasília, em plena noite de segunda-feira (28).

Renata Carvalho deu voz e vida, de maneira comovente, ao monólogo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” e se tornou a primeira travesti a encenar uma montagem no festival Cena Contemporânea. O festival está na 18ª edição.

A peça, dirigida por Natalia Mallo e traduzida do texto original da inglesa Jo Clifford, foi apresentada nesta segunda (28).

“Ter uma personagem trans interpretada por uma atriz trans faz diferença sim”, disse Renata Carvalho, ao fim da montagem.

No espetáculo, poético e envolvente, Jesus é uma mulher trans que remonta aos ensinamentos seculares para enaltecer mulheres, LGBTs, garotas de programa e outras minorias. A “ferramenta”, neste caso, são os ensinamentos de amor, empatia e respeito.

No DF, peça retrata Jesus como mulher trans e lota teatro no Cena Contemporânea
Foto: Divulgação/Ligia JardimPor meio de parábolas bíblicas em linguagem pop, texto interpretado por Renata Carvalho evidencia a violência contra minorias e prega mais afeto e empatia.

Uma história de exclusão

Atriz e militante da causa trans, Renata Carvalho cria, em cena, o passado violento que sofreu e os inúmeros relatos de abusos sofridos por pessoas LGBT.

Somente em 2016, 343 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram assassinados no Brasil, conforme apontou o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB). Os dados, segundo o GGB, levaram à constatação de que, a cada 25 horas, um LGBT é morto no país.

A intolerância e a exclusão da pessoa trans são motes da fala da personagem, que atenta o espectador para a não aceitação e para a sexualização dos corpos dessas pessoas. O tema é abordado no rebuscado texto da obra – ainda que gere risadas fáceis da plateia, quando a atriz apela para o humor desbocado das gírias LGBT.

Os pronomes e adjetivos são colocados no feminino, até mesmo para a figura de Deus. Renata domina a plateia do alto do palco, e também caminhando por entre as fileiras de assentos, como um pregador que orienta seus fiéis sobre preceitos essenciais na condição da vida humana.

No DF, peça retrata Jesus como mulher trans e lota teatro no Cena Contemporânea
Foto: Divulgação/Ligia Jardim‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu’ em cartaz na 18ª edição do Cena Contemporânea.

O sermão, entretanto, é relaxado: batidas de funk e trocas de figurino são os momentos de respiro em quase uma hora de espetáculo. Ao longo desse tempo, a atriz relaciona as mais variadas parábolas bíblicas aos casos de intolerância, desrespeito e preconceito enfrentados pela população trans.

Mais tolerância

Atemporal e atual, o espetáculo é encerrado com uma oração convocada pela personagem, que clama por mais tolerância e afeto em tempos de pouca empatia pelo próximo. No pedido aos céus, as prostitutas serão honradas, os deficientes físicos serão incluídos, os políticos serão mais honestos e o amor será bem comum, exercido a toda hora.

Com apelo pop, o “Evangelho” trazido por “Jesus, rainha do céu” problematiza e alerta para a violência literal, mas encanta e emociona pela poesia.

© Portal Gay1

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