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Por que o universo da moda está obcecado por ‘RuPaul’s Drag Race’

POR MATTHEW SCHNEIER
DO "THE NEW YORK TIMES"
Por que o universo da moda está obcecado por 'RuPaul's Drag Race'

Ela estava calçando botas de astronauta que chegavam às coxas, cintilantes, com salto plataforma. Suas roupas eram complementadas por um saiote de bailarina posicionado em um ângulo particularmente ousado. Sua estola, que terminava em pontas em forma de presas, parecia ser um produto artesanal feito com papel de alumínio.

O estilista Jeremy Scott se inclinou na direção da participante, Alyssa Edwards, e a encarou fixamente. “Vou sair do armário, aqui, e dizer que isso é moda”, ele afirmou.

E porque estamos falando de “RuPaul’s Drag Race All Stars” – um dos reality shows de TV no mini-império drag de RuPaul Charles, que se autodefine como a “supermodel drag do planeta” –, Edwards, uma diva de fala arrastada, vinda de Mesquite, Texas, aceitou o cumprimento e prosseguiu em seu número, dublando “Tell It to My Heart”, de Taylor Dayne.

Para quem não conhece, “RuPaul’s Drag Race” é um reality show na rede Logo (exibido no Brasil pela Netflix) que busca identificar “a próxima estrela entre as drag queens dos Estados Unidos”. É um pastiche cafona e divertido de “Project Runway”, “America’s Next Top Model” e “America’s Got Talent”, e exige que suas aspirantes a estrelas cantem, dancem, desfilem e dublem canções, em busca do título. Ao longo do caminho, montadas ou não, as participantes desenham e fazem seus vestidos, se maquiam sozinhas e trocam divertidas ofensas e fofocas sobre as colegas.

É de admirar que o programa se tenha tornado a atração preferida do setor da moda?

“Assisto a todos os episódios”, disse Marc Jacobs, que, como Scott, foi um dos jurados do programa. (Charles e sua amiga e colega de palco, Michelle Visage, são integrantes permanentes do júri, acompanhadas por um elenco rotativo de convidados regulares e ocasionais.) “O programa me faz rir, me faz chorar. Tem muita força, e olha que eu nem sou tão fã assim de reality shows”.

Quem recomendou o programa a ele foi o fotógrafo Steven Meisel.

Desde sua estreia em 2009, “RuPaul’s Drag Race” se transformou de curiosidade em peça fundamental em seu nicho de mercado, principalmente por divulgação de pessoa a pessoa e via mídia social. Este mês, depois de ser ignorada durante anos pelos principais prêmios televisivos, Charles ganhou seu primeiro Emmy (e o primeiro para o programa), como melhor apresentadora.

A audiência vem crescendo em companhia do interesse. O primeiro episódio da oitava temporada de “RuPaul’s Drag Race”, sua mais recente, concluída em maio, foi o mais assistido online na história da série.

A audiência da segunda temporada, que está em cartaz, de “RuPaul’s Drag Race All Stars”, um derivativo no qual participantes de temporadas passadas ganham uma segunda oportunidade, é 28% mais alta que a da versão original (e quase 50% mais alta que a da primeira temporada de “All Stars”).

Vencedores e segundos colocados do programa conseguiram convites para se apresentar em todo o mundo, gravar discos e vídeos de música, colaborar com fabricantes de cosméticos e, em pelo menos um caso, o de Laganja Estranja, da temporada seis, para lançar uma linha de moda, acessórios e roupas para cachorros centradas na maconha.

Em alguns círculos, o programa vem sendo celebrado por sua política de afirmação e visibilidade. Nos círculos da moda, ele é elogiado por tudo isso, mas também por criar uma nova classe de quase celebridades que ficam muito bem de vestido.

“Está acontecendo”, disse Miss Fame, 31, que participou da sétima temporada do programa. “As portas vêm se abrindo”. Desde que participou de “RuPaul’s Drag Race”, ela foi convidada para a New York Fashion Week (e participará da fashion week de Paris este ano), e fez vídeos de beleza para a L’Oréal, que a enviou ao Festival de Cinema de Cannes, onde ela caminhou pelo tapete vermelho usando um vestido desenhado por Zac Posen.

As drag queens do programa de Charles agora são convidadas a desfiles de moda e festas do setor, e adoradas pelos maiores nomes da moda. Pat McGrath, a decana dos maquiadores que trabalham nas passarelas, posta imagens das candidatas do programa em suas contas de mídia social. A Miu Miu convidou diversas delas para uma festa em Paris na qual celebrou seus perfumes, em julho.

“É meio automático”, disse Violet Chachki, 24, vencedora da temporada sete. “Há muitos pontos de contato entre as duas coisas”.

Conhecida no programa como “fashion queen” (e não como “comedy queen” ou “pageant [concurso de miss] queen”, o look que define Chachki envolve o uso de corpetes tão apertados que ela carrega um tanque de oxigênio como parte de seu equipamento.

Depois de vencer, ela foi convidada a desfiles de moda por Jacobs e Scott, e estava entre as convidadas da Miu Miu à sua festa em Paris (“mudou minha vida”, ela diz).

O fotógrafo Steven Klein a fotografou para a revista “Interview”, ao lado da modelo de passarela Anna Cleveland, e para a “Vogue” italiana, ao lado de outras ex-participantes de “RuPaul’s Drag Race”, para um artigo sobre Susanne Bartsch, promoter de casas noturnas.

“Creio que as pessoas do mundo da moda estão de olho em mim, porque eu funciono dos dois lados da barreira”, disse Chachki. “Para mim isso parece normal agora, mas três anos atrás eu jamais teria imaginado. Agora parece que estou entrando mais naquele mundo e deixando um pouco para trás o mundo das drag queens”.

E “aquele mundo” está observando, e falando sobre elas.

“Estava no estúdio fotografando uma campanha publicitária, alguns dias atrás, e acho que metade do pessoal lá estava vendo o programa”, disse o estilista Jason Wu. “Foi totalmente o assunto do dia. Eu, os maquiadores, o diretor de arte – todos somos muito fãs”. Wu tem uma conexão já antiga com RuPaul; como estilista de bonecas, antes de trabalhar com moda, Wu trabalhou em uma série de bonecas RuPaul.

“Há muita conversa sobre isso no escritório”, diz o estilista Joseph Altuzarra, que define RuPaul como “a herdeira aparente de Oprah”. “Muita gente entra no mundo da moda –muitos estilistas, ao menos– porque ama roupas, ama maquiagem e ama cabelo e beleza. Acho que ‘RuPaul’s Drag Race’ é uma versão tão extrema disso que faz sentido que as pessoas do setor a apreciem e acompanhem”.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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