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Bissexual ainda é um rótulo com camadas

Por Michael Schulman

“Claro que ainda me interesso por garotas.”

Essas sete palavras, lançadas como se fossem um pedido para não colocar mostarda no sanduíche, foram praticamente as mais dissecadas num vídeo de Tom Daley no YouTube em dezembro, no qual o atleta olímpico britânico de 19 anos anunciou que estava saindo com um homem.

Encostado em travesseiros com a bandeira do Reino Unido, ele continuou: “Mas, quer dizer, agora estou namorando um cara e eu não poderia estar mais feliz.” A mensagem de Daley foi amável e simples, e os defensores dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais pareciam contentes em receber um atleta assumido com orgulho entre os seus. (Os comentários maliciosos vieram mais tarde, quando vários tabloides e blogs informaram que o “cara” era o roteirista Dustin Lance Black, que é duas décadas mais velho.)

Mas os aplausos foram prematuros, ou pelo menos limitados. Apesar de a hashtag #TomGayley ter proliferado no Twitter, Daley nunca usou a palavra “gay”, e ainda havia a questão de ele continuar interessado por garotas. Embora muitos que comentaram tenham abraçado a ambiguidade (“Não ligo se Tom Daley é gay, bi ou outra coisa… Ele continua em forma”, twittou um deles), outros ergueram as sobrancelhas.

Foi uma retratação? Uma forma de não se comprometer? Um truque para segurar os fãs? Ele estava sendo guloso, como brincaram alguns? Ou estava, como sugeria o tom ruborizado do vídeo, simplesmente entregue à desorientação inebriante do primeiro amor, um momento estimulante demais para colocar rótulos?

Qualquer que seja a resposta, a revelação de Daley reacendeu uma conversa fértil dentro da comunidade LGBT, relacionada com a terceira letra do movimento. A bissexualidade, como a síndrome da fadiga crônica, costuma ser vista como algo imaginário para quem está de fora. Não faltam estereótipos: bissexuais são promíscuos, mentirosos ou estão em negação. São homens gays que não conseguem admitir que são gays, ou “lésbicas até a formatura”, vivendo todo tipo de experiência antes de encontrarem um marido.

“As reações que estamos vendo são clássicas de pessoas que não acreditam que a bissexualidade de fato existe e acham que é uma fase de transição ou uma forma de não sair do armário”, disse Lisa Diamond, professora da Universidade de Utah que estuda orientação sexual.

Estudos de população indicam que a bissexualidade é de fato mais comum do que a atração exclusiva por pessoas do mesmo sexo, e que a libido feminina é particularmente irrestrita, diz Diamond. Isso pode explicar por que a bissexualidade feminina é mais visível na cultura popular, desde a música “I Kissed a Girl” de Kate Perry, até “The Kids Are All Right” e a série “Orange Is the New Black” do Netflix. (O fato de que homens heterossexuais achem isso excitante não ofende.)

Num ensaio recente para a coluna Modern Love do The New York Times, em que revelou seu relacionamento com outra mulher, a atriz Maria Bello escreveu: “Sempre senti que o apego e a parceria são fluidos e estão em evolução”. Antes de casar com Bill de Blasio, Chirlane McCray se identificava como lésbica, o que se tornou parte das credenciais progressistas da família do prefeito de Nova York.

A bissexualidade masculina, por outro lado, é mais polêmica, e boa parte do ceticismo vem de LGBTs.

Logo após o anúncio de Daley, Ann Friedman escreveu um post no blog The Cut da New York Magazine prevendo que a bissexualidade masculina se tornaria mais visível à medida que os papeis de gênero evoluem. “As definições tradicionais de masculinidade – que tendem a andar de mãos dadas com a homofobia – estão passando por um verdadeiro terremoto”, escreveu Friedman. “Mais homens hetero estão admitindo hesitantes que se excitam com certos atos sexuais associados aos gays.”

O comentarista gay conservador Andrew Sullivan logo rebateu em seu próprio blog, The Dish, dizendo: “Suspeito, com todo respeito aos sonhos de Friedman, que sempre haverá bem menos homens que transcendem as categorias sexuais tradicionais – porque a sexualidade masculina é muito mais crua, mais simples e mais binária que a feminina.” Ele disse que a afirmação de Daley sobre gostar de garotas é “um mecanismo de transição clássico para facilitar a transição para sua verdadeira identidade sexual. Sei porque também fiz isso.”

A recusa de Sullivan ecoa o conhecido desdém que muitos homens que sentem atração por outros homens mostram em relação a seus colegas bissexuais, especialmente os mais jovens. De certa forma, eles estão certos: muitos gay, especialmente em décadas menos tolerantes, usaram a bissexualidade como um “uma parada de descanso na rodovia para a homossexualidade”, emprestando uma piada de “Will & Grace”.

As lésbicas não estão imunes a esse tipo de desconfiança. Mesmo depois que McCray se casou com Blasio, algumas de suas “amigas lésbicas-separatistas”, como colocou a revista New Yorker, recusaram-se a aceitar a nova vida dela em Prospect Park.

Esse tipo de pensamento irritou defensores de bissexuais, que veem essa tendência dos círculos homossexuais como uma prova de “bifobia”.

A afirmação foi apresentada repetidamente pelo colunista de sexo Dan Savage.

Em 2011, o blogueiro Chris O’Guinn acusou Savage de dizer “coisas descaradamente dolorosas, cruéis e insultantes sobre os bissexuais”, incluindo sua declaração no documentário “Bi the Way”, dizendo: “quando encontro alguém de 19 anos que me diz que é bissexual, digo: ‘Tudo bem, certo, eu duvido. Volte quando tiver 29 e veremos.’”

Parte do equívoco de Savage, ele explicou, era fruto de um estudo de 2005 em que pesquisadores da Universidade de Northwestern questionaram se a bissexualidade masculina de fato existia, depois de mostrar aos participantes imagens eróticas enquanto monitoravam a resposta genital dos mesmos. Seis anos depois, um estudo subsequente de Northwestern concluiu o contrário: a bissexualidade masculina é real.

Por que a mudança? Enquanto o primeiro estudo procurou candidatos em publicações orientadas ao público gay e incluiu homens que se identificavam como gays, hétero ou bissexuais, o segundo recrutou candidatos de lugares que atendiam especificamente bissexuais e selecionou apenas aqueles que haviam se relacionado seriamente com homens e mulheres.

Os defensores, um tanto exasperados, aplaudiram os novos resultados, embora alguns tenham apontado que o estímulo físico é apenas um ingrediente da orientação sexual, que também deriva da intimidade emocional.

De fato, Daley e Bello, nenhum dos quais usou a palavra “bissexual”, falaram da paixão irresistível de uma única relação, em vez de uma mudança de identidade. (Bello contentou-se em chamar a si mesma de “qualquer coisa”.)

Apenas um punhado de celebridades abraçaram o termo, e normalmente com notas de rodapé.

Alan Cumming, que é casado com o ilustrador Grant Shaffer, disse recentemente à revista Instinct: “Ainda me defino como bissexual embora eu tenha escolhido ficar com Grant. Sou sexualmente atraído pela forma feminina muito embora esteja com um homem, e sinto que os bissexuais têm uma reputação ruim.” Cynthia Nixon, que se casou com uma mulher depois de ter filhos com um homem, disse ao The Daily Beast em 2012: “Eu não usei a palavra ‘bissexual’ porque ninguém gosta de bissexuais. Todo mundo gosta de criticar os bissexuais.”

No caso de Daley, a diferença pode ser de gerações. Pessoas que cresceram num mundo mais aberto podem não ver valor em rótulos como “gay” ou “bissexual” quando as comunidades que eles descrevem não são mais marginalizadas.

“Entre a geração mais jovem, já vi muito mais abertura sobre a bissexualidade de homens e mulheres, e com frequência uma rejeição a todos os rótulos”, disse Diamond. “Eles são mais abertos à ideia de que ‘sexualidade é algo complicado, e desde que eu saiba com quem eu quero ficar não importa como eu me denomine’.”

Tradução: Eloise de Vylder

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