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Na contramão de outros países, Rússia limita direitos de LGBTs

Por David M. Herszenhorn
Do The New York Times

Ativistas protestam contra lei promulgada por Vladimir Putin e pedem boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014

Foto: AP/Lefteris Pitarakis

Ativistas protestam contra lei promulgada por Vladimir Putin e pedem boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014

Se essa reportagem fosse escrita em um jornal russo, ela poderia ser classificada como imprópria para menores de 18 anos, assim como os filmes adultos. E, antes do texto, haveria um aviso: “De acordo com a legislação russa, esse artigo contém informações não recomendáveis para leitores menores de 18 anos.” Esses avisos, presentes em todas as matérias que discutem homossexualidade, são resultado de uma lei que pretende banir “publicidade de relações sexuais não tradicionais” para “proteger” as crianças. Mas as mensagens são vistas como uma forma de suprimir os movimentos que lutam pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no país.

A lei, promulgada pelo presidente Vladimir Putin em junho deste ano, gerou condenação internacional e rendeu um tipo de polêmica política que o governo pretendia evitar para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, que serão realizados em Sochi. As últimas Olimpíadas sediadas em solo russo, em 1980, foram marcadas pelo boicote de algumas delegações contrárias à invasão soviética ao Afeganistão.

O furor desencadeou um boicote à marcas de vodca russas em bares LGBT do Ocidente. Também há ativistas que pedem o boicote aos jogos de Sochi. Além de botar os organizadores da Olimpíada na defensiva, a opinião publica mundial conseguiu voltar os holofotes para as circunstâncias cruéis em que vivem lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais na Rússia moderna.

Apesar da cultura vibrante e do poderio econômico das metrópoles, como Moscou e São Petesburgo, a Rússia permanece sendo um país onde a discriminação e até a violência contra LGBTs é tolerada. Poucos LGBTs russos admitem publicamente sua orientação sexual, e os que assumem passam constantemente por problemas. Quando alguns deles protestaram contra a lei se beijando em frente ao parlamento e foram agredidos por movimentos religiosos e homofóbicos, a polícia apenas assistiu.

“O que está acontecendo na Rússia contradiz o seu lugar no mundo” disse Anton Krasovsky, âncora televisivo que foi imediatamente demitido da TV estatal em janeiro após sair, ao vivo, do armário e se dizer ofendido pela legislação.

De acordo com uma pesquisa feita em junho, 88% dos cidadãos locais apoiam a lei. Outro trabalho, concluído em abril, mostrou que 35% dos russos acreditam que a homossexualidade é uma doença e 43% a consideram um mau hábito, que resulta de falta de disciplina por parte dos pais ou é um sintoma de abuso sofrido na infância.

Em julho, o patriarca Kirill I, líder Ortodoxo, chamou o casamento entre pessoas do mesmo sexo de “sinal perigoso do apocalipse”.

O presidente americano, Barack Obama, afirmou que a Rússia não é a única nação a tratar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais dessa maneira, mas criticou a legislação e disse esperar que o governo russo previna qualquer discriminação em Sochi.

“Não tenho paciência para países que tentam ameaçar gays, lésbicas ou transgêneros” afirmou em entrevista à Jay Leno na televisão. Mais tarde, na Casa Branca, Obama disse que se opôs ao boicote, mas voltou a criticar o país “Ninguém está mais ofendido do que eu por essa legislação que estamos vendo na Rússia”.

Autoridades russas dizem que as críticas são injustas. Em 1993, o país extinguiu a lei soviética que tratava sexo com pessoas do mesmo sexo como crime.

“Não estamos impondo qualquer sanção contra a homossexualidade. Estamos protegendo as crianças. A lei não quer interferir no direito das minorias. Eles são membros plenos da nossa sociedade e não são discriminados de maneira alguma” argumentou Putin.

Defensores dos direitos LGBT discordam. Para eles, a lei é vaga e pode ser usada para prender qualquer um que defenda a causa. Entidades americanas, apoiadas por atletas como Blake Skjellerup e Greg Louhanis, estão liderando esforços para pressionar a Rússia e o Comitê Olímpico Internacional (COI). O boicote à vodca russa e uma petição assinada por 300 mil pessoas fazem parte das ações coordenadas pelos grupos.

Além dos Jogos de Inverno, a Rússia irá sediar a Copa do Mundo de 2018 e está se candidatando para receber a Feira Mundial de 2020. Perguntadas se a polêmica pode fazer o país retirar a candidatura, autoridades russas lembraram que estão concorrendo com Dubai, nos Emirados Árabes, onde a homossexualidade é ilegal.

Defensores da causas explicam que a Rússia está cada dia mais perigosa para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Esse ano, aconteceram pelo menos duas mortes motivadas por homofobia no país, incluindo o espancamento de um jovem em Volgogrado.

Jornalista e ativista, Aleksandr Smirnov conta que mesmo em Moscou e São Petesburgo, onde há grande população LGBT e intensa vida noturna, crimes de ódio são inescapáveis.

“Se você perguntar a homossexuais em Moscou se já foram atacados ou insultados, todos irão admitir que já aconteceu com eles. Estamos ainda no começo do movimento pelo direito dos gays. Essa nova lei cala nossas bocas e amarra nossas mãos e nossos pés”.

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